sábado, 9 de agosto de 2008

Questão de tempo

"É verdade que não procedi com as regras da estética! Decididamente não entendo por que é mais glorioso bombardear uma cidade que matar alguém a machado! A preocupação estética é o primeiro sinal de fraqueza! Nunca o senti melhor do que hoje e cada vez compreendo menos qual é o meu crime!" (Fiódor Dostoiévski, em Crime e Castigo)

Você acaba de ler um livro muito bom e tem aquela sensação de missão cumprida. A edição é aquela de bolso da Ediouro (330 págs.), bem barata, que você comprou quando ainda estava na faculdade. O mundo diz que Crime e Castigo é uma obra-prima e seu professor de literatura brasileira impõe: "Não morram antes de ler Crime e Castigo". Ok, você começa a ler a tal edição de bolso e não consegue passar da vigésima página. Então deixa a obra-prima de lado, mas ainda sem se resignar com a própria burrice. Meses depois, você volta ao livro e... não consegue nem chegar à cena do assassinato (pág. 54)! O livro é (fala baixo)... chato? Ele volta para a estante e fica lá durante anos (quatro, cinco?). A terceira tentativa de fazê-lo deixar de ser um mito na sua vida acontece e você tem verdadeiros momentos de felicidade lendo esse exemplar, já com as páginas cheias de pintinhas castanho-claras, mas há também lugar para o mais profundo tédio e você demora dois meses para chegar à página 288. Você pára e decide interromper a leitura (por acaso alguém a obrigou a lê-lo???). Faltam 42 páginas para liquidá-lo e você resolve "ler outras coisas"... Mas ele ficou lá, na mesinha ao lado da cama, dizendo "bom dia!" persistentemente todo santo dia, durante pelo menos um mês. Ah, não! Desafio assumido, você pega o livro e... calma! "Ainda não! Deixa eu ler umas outras coisinhas aqui." A pobre leitura obrigatória fica mofando no seu colo por quatro dias consecutivos, quando finalmente você reage: "Me dá esse negócio aqui!"

Você acaba a experiência com um brilho nos olhos (sim! você o leu inteirinho!!) e finalmente percebe que não, você não é limitada. E que não, Crime e Castigo não é chato. Você está apenas diante de uma edição mal traduzida, NÃO REVISADA, com letras microscópicas e FEIA!

E entende do que é capaz um grande escritor. Dostoiévski venceu. Viva!

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