segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Degelo

Tenho buscado respostas para um certo cansaço em relação ao excesso de informação que já é velho na nossa vida de cada dia. E às vezes me surpreendo quando vejo algo que me tira da mesmice do "somos contemporâneos então vale tudo, tudo é possível e tudo é aceito no mundinho da arte". Explico: Não tenho assistido a muitos espetáculos de dança (que consumia avidamente quando dançava*) porque eles me parecem há algum tempo mais do mesmo de novo e de novo. * E cobria dança na revista Bravo!
No lançamento da publicação Cartografia Rumos Itaú Cultural Dança 2006-2007, que faz um mapeamento da dança contemporânea no Brasil, com textos, ensaios fotográficos e DVD, cheguei a duas conclusões:
1) Não, eu não estou ficando chata. A dança contemporânea realmente parece que parou no tempo e continua querendo se fazer presente negando a dança clássica do século 19. Buscar a sua autenticidade em frases feitas como "no meu trabalho não me interessa se tem dança ou não" e "a dança contemporânea dialoga com outras linguagens" reforça o esgotamento que parece contaminar esse "corpo contemporâneo", e contaminou o vídeo apresentado no último dia 29, incluindo trechos de alguns trabalhos e reflexões dos artistas. Fez coro a essa perda de sentido a coreografia Alcântara, de Daniela Dini, que abriu a noite com uma infra-estrutura interessante (imagens projetadas nas paredes brancas e iluminação simples) mas permaneceu no vazio de um corpo que parecia se movimentar sem consistência, sem propósito, como que dizendo "está me faltando repertório interno..."
2) Há luz no fim do túnel. No mesmo espaço envolto por paredes brancas, Degelo, trabalho do bailarino Maurício de Oliveira, foi o ponto alto da noite e mostrou que a curadoria teve também acertos. No seu solo Maurício mostra que, sim, o "corpo contemporâneo" é capaz de dançar mostrando verdade (sem fingimento ou truque), em que cada parte mínima não se movimenta ao acaso e cada gesto tem significado, preenche o espaço e literalmente hipnotiza. Não, a intenção dele não foi hipnotizar ninguém, nem incomodar, mas hipnotizou, incomodou, encantou e me tirou da letargia que a dança tem me provocado.

2 comentários:

jmarcos disse...

Assino totalmente!
Sou leigo em dança, mas acho que estou aprendendo a diferenciar os espetáculos. Essa gente dita "moderna" está repleta de clichês... Palavras como: busca, independência, liberdade, linguagem, interagir, mergulho... e por aí vai, ocupam as bocas dessas pessoas. A maioria nem sabe o que cada palavra dessa significa! João

Flavia D'Amico disse...

Querida,

Não é a primeira vez que vejo seu blog, mas é primeira vez que manifesto alguma coisa... e tinha que ser por aqui, pela dança, por onde nós começamos.

Fiquei com saudade dos tempos de Maurício, de Sandro... de boa dança. De fazer e de ver.

Sim. Tem muita mesmice por aí. Em tudo. Sim. De vez em quando aparece algo que mexe com a gente. E é por esses momentos que, ainda, fico nesse frenesi de ver tudo. Não que consiga, mas fico querendo.

Seu blog é inspirador. Sou sua fã. E esse comentário virou uma carta. Tive até que olhar no Houaiss.

Grande beijo pra você

da Fla!